Páginas

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

PAPEL, CANETA, ENVELOPE E SELO


Você se lembra da última vez que escreveu uma carta de próprio punho e a colocou no correio? Você se lembra quando recebeu, pela última vez, uma carta pelas mãos do carteiro (não vale boleto bancário, mala direta, propaganda, folheto, cobrança e outras pragas)? Você se lembra de quando a molecada se divertia colecionando selos? Você se lembra de algo chamado arte postal? 


Parece que essas lembranças estão ficando cada vez mais no passado. Com as novas formas virtuais de comunicação (e-mail, msn, facebook, twitter, skype, whatsapp, etc, etc.), tudo indica que papel, caneta, envelope, selo e carteiro não estão mais presentes da vida das pessoas do século 21. 

Considerada por alguns como gênero literário, a troca de correspondência está entrando no território da saudade. Dois livros que acabam de chegar às livrarias apontam nessa direção: "Cartas Extraordinárias", lançado pela editora Companhia das Letras, e "Cartas da Humanidade", lançado pela Geração Editorial. Ambos são compilações de cartas de várias épocas escritas por personalidades das mais variadas áreas. 

"Cartas da Humanidade", organizada pelo compositor mineiro Márcio Borges (integrante do Clube da Esquina e parceiro musical de figuras como Milton Nascimento e Lô Borges), procura apresentar um painel da civilização através das cartas. Seguindo sequência cronológica, começa com um texto do lendário Zaratustra escrito por volta do século 6 a.C. e termina com uma carta do documentarista Michel Moore ao presidente George W. Bush. Reúne 191 cartas. 

Das cartas destinadas aos deuses gravadas nos sarcófagos dos faraós do Egito Antigo, passando por cartas de gregos e romanos, a compilação de Márcio Borges destaca a correspondência do cristianismo com seus santos, como a carta-testamento de São Francisco e cartas de amor como as trocadas entre frei Abelardo e freira Heloísa no século 10 d.C. Há também cartas de Américo Vespúcio, Dante Alighieri, José de Anchieta, Pero Vaz de Caminha, Galileu Galilei, Machado de Assis, Oscar Wilde, Fernando Pessoa, Franz Kafka, William Faulkner, Getúlio Vargas, Janio Quadros, Che Guevara, Juscelino Kubitschek, Nelson Mandela, Alberto Einstein, entre outros. 

"Cartas Extraordinárias", organizado pelo pesquisador norte-americano Shaun Osher, traz 125 cartas acompanhadas de reproduções fac-similar dos originais. O livro é fruto de um projeto maior, o site www.lettersofnote.com criado por Shaun Osher que pode ser descrito como um museu on-line de cartas. 

Traz a correspondência de personalidade como Charles Darwin, Scott Fitzgerald, Dostoiévski, Elvis Presley, Dorothy Parker, John Kennedy, Charles Dickens, Mick Jagger, Steve Martin, Emily Dickinson, Louis Armstrong, Nick Cave, Gandhi, Virginia Woolf, entre outros. 

A especialidade da obra está na curiosidade das correspondências, coisas como a carta de um gerente de produto das sopas Campbell agradecendo a preferência do artista plástico Andy Warhol e se desculpando por não ter dinheiro para comprar uma de seus quadros. Ou a carta de Fidel Castro, então com 14 anos de idade, pedindo ao presidente dos Estados Unidos uma nota de 10 dólares que nunca viu na vida. 

Representando as lendárias cartas ao Papai Noel, está a que uma garotinha enviou para um jornal de grande circulação afirmando que seus amiguinhos estavam dizendo que Papai Noel não existia. O jornal então, no dia seguinte, publicou uma reportagem confirmando a existência do bom velhinho. 

A forma das cartas que envolvem papel, caneta, envelope, selo e carteiro podem estar entrando no território da saudade. Sinal dos tempos. Mas a humanidade de seus escritos, pelo que os dois livros indicam, permanecem. 


"Ontem, tendo bebido demais, fiquei tão embriagado que passei dos limites; porém nenhuma das palavras rudes e obscenas que pronunciei foi dita por mim em sã consciência. Na manhã seguinte, ao ouvir comentários sobre o assunto, dei-me conta do que havia acontecido e quase morri de vergonha, só queria achar um buraco para me esconder. Tudo ocorreu porque minha pequena tolerância não me permite encher o copo até a borda. Humildemente espero que em vossa sábia benevolência não me condeneis por minha transgressão. Logo vou desculpar-me pessoalmente, mas, entrementes, envio-vos esta mensagem para vossa bondosa avaliação. Deixando muito por dizer, subscrevo-me, respeitosamente." 


(Carta de modelo padrão utilizada pelos chineses do século 9 d.C, para se desculparem das bebedeiras no dia seguinte. Carta que integra o livro "Cartas Extraordinárias".)


"Estou arrependido dessa maldita coisa estúpida. Eu estava ganhando só 250 dólares, pensei informalmente, não era passa ser publicado, ou eu mesmo teria insistido em olhar o material antes que fosse publicado. Durante anos sempre acreditei que a voz humana é a causa de todos os males dos homens, e eu pensava que já havia desistido de falar. Talvez esse seja meu discurso de despedida. 


Espero que isso não tenha nenhuma maldita importância para você. Mas se, ou quando, ou caso tiver, por favor, aceite outro constrangimento de seu verdadeiramente, William." 

(Carta de William Faulkner, de 28 de junho de 1947, pedindo desculpas a Ernest Hemingway por dizer, numa aula de literatura, que faltava "coragem" na escrita de Hemingway. Carta que integra o livro "Cartas da Humanidade")

Serviço:
"Cartas da Humanidade"
Compilação e tradução – Márcio Borges
Editora – Geração Editorial
Páginas – 468
Quanto – R$ 59 (MÉDIA)

"Cartas Extraordinárias"
Organização - Shaun Osher
Tradução – Hildegard Fiest
Editora – Companhia das Letras
Páginas – 368
Quanto – R$ 99,90 (MÉDIA)

Referência: http://www.folhaweb.com.br/?id_folha=2-1--2838-20150127

Nenhum comentário:

Postar um comentário